O Tempo Provou Que Nos Apaixonamos Pela Banda Certa
Por César Serrazes
Muitos anos
atrás eu escrevia muito mais sobre Cranberries, a banda que conheci aos
quatorze anos e que influenciou minha adolescência e maturidade. Fosse me apresentando
a outras bandas, movimentos, artistas, ou me introduzindo ao seu próprio
universo – puro sangue irlandês, de melodias incrÃveis e simples (mas nunca
simplistas), com uma voz de ouro, valentia, delicadeza. Conforme eles
desapareciam aos olhos do grande público – em meados de 1996 para 1997 – minha
obsessão aumentava: era quase como gostar de uma banda Cult. Entre 1998,
lançamento do quarto álbum da banda, Bury The Hatchet, e 2001 era possÃvel
ouvir pessoas me perguntarem: é a tal banda de “Zombie”? Isso porque, nestes
anos, “Zombie” estava saturada: havia tocado tanto que as pessoas que não eram
fãs não pensavam: “que música boa!”, mas sim “nossa, essa de novo”.
O tempo tem
dessas coisas. Na segunda metade de vida do Cranberries, a partir de 1998, os
ouvintes não associavam mais a banda à “Linger”, e a delicadeza do Cranberries
já havia mesmo ficado um pouco para trás, obscurecida por singles como
Salvation e Promises.
Assim, a
partir do Wake Up And Smell The Coffee, eu praticamente amava uma banda
esquecida. E fui conhecendo a teia sem fim dos que já eram super fãs – aqueles
que amavam a banda desde o primeiro álbum – até os fãs que tinham descoberto a
banda há menos tempo e seguiam com ela desde então. Havia poucos fãs novos –
sumidos do grande público, o Cranberries só foi começar a ganhar algum terreno
novamente nos anos 2000, com a popularização do DVD Beneath The Skin nas lojas.
Mas isso, também, com suas perdas e ganhos: não eram os fãs da Dolores tÃmida,
de Linger, ou da Dolores loira, de Zombie. Eram fãs daquela banda que tocava no
DVD como se o show em Paris fosse um reflexo inteiro da banda – e não era. Era apenas
mais um reflexo de uma fase do grupo.
Cortando
uma grande parte da história, que diz respeito à carreira solo de Dolores, chegamos
diretamente ao Cranberries de Roses (2011). Um Cranberries que já havia
excursionado por quase todo mundo e conseguido, com muito êxito, reavivar
Zombie entre aqueles que antes não aguentavam mais a música. A partir daÃ,
voltava à ativa com todo o caráter e pompa de uma banda experiente, dona de
vinte anos de estrada, com sucessos no setlist
de fazer corar qualquer banda. QUALQUER artista pop.
Toda vez
era a mesma coisa, eu percebi: quando o Cranberries voltava a ser notÃcia na
imprensa ou ganhava alguma notoriedade entre o grande público, eu escrevia
menos sobre a banda. Porque não eram mais “somente meus”, mas eram também do
resto do mundo. De gente que gostava de Rihanna, mas também ouvia Cranberries.
Era estranho. Nem dava para começar a explicar, para os outros, o que era
realmente Cranberries. Então eu nem tentava.
Os shows
lotados do Cranberries no Brasil foram um exemplo. O twitter bombava, todo
mundo falava da Dolores como se ela fosse uma popstar conhecidÃssima, e uma
‘twittada’ me fez cair a ficha: uma garota perguntando “onde foi que o
Cranberries achou tanto fã de repente?”.
Era
verdade. Eu, que acompanhava a banda desde 1994, senti o mesmo. O Credicard
Hall lotado sabia Analyse! Mas como assim, produção?
Hoje eu
entendo. Ah, o tempo. A partir de 2010 o Cranberries caminhou, por uma estrada
longa e em velocidade lenta, para se tornar a maior banda dos anos 90. A
discografia estava lá, dava conta do recado. Eles continuavam se apresentando
impecavelmente ao vivo. A imprensa não os perseguia mais. Eram outros
jornalistas, mais novos, alguns até fãs, e que desconheciam completamente os
atritos da banda com a mÃdia. Mas nenhum que a detestava ou tinha uma birra
profunda como na época de To The Faithful Departed. Roses foi, para a maior
parte da crÃtica pública e da crÃtica especializada, um bom álbum, com bons
momentos e poucos escorregões. Era o som do Cranberries, intacto. Nem mesmo as
letras – o grande calcanhar de Aquiles da Dolores – eram criticadas
negativamente mais. Tornava-se uma banda icônica, ponto. Não popular, mas
merecedora, finalmente, de respeito, como um silêncio que se dá para alguém, em
primeiro lugar, por sua experiência e idade, e em segundo lugar por sua
atitude. O Cranberries nunca foi uma banda de fofocas, discussão entre
integrantes, polêmicas. O Cranberries “icônico” era polido e educado. Dolores
não ia mais para as entrevistas armada de faca e garfo para fazer picadinho de
jornalista como em 1996. Noel ganhava espaço e voz na mesma proporção que sua
barba se avolumava num tom sério.
“Something
Else” foi a concretização desse movimento que tornou a banda em “lendária”: um
bom álbum, com duas ou três boas releituras, mas fraco em diversos momentos. “Free
to Decide” sem muita vida, mas “Linger” perfeitamente bem regravada. Uma grande
canção nova – “The Glory” -, uma outra canção para matar os fãs de saudades – “Why”
– e uma versão de “Animal Instinct” desnecessária, que faz muito feio perto da
original. Nem mesmo esses evidentes deslizes foram sequer comentados – para
todo o mundo das redes sociais e sites especializados, Cranberries estava
lançando um álbum. Ponto. Era digno e icônico.
Então,
Dolores morreu. Não estou perfeitamente crente disto ainda. Estou consciente,
mas não caiu a ficha e isso tem uma razão: ela começou a renascer em 15 de
janeiro. Todas as suas sementes estão brotando. Com vÃdeos raros, músicas a
serem lançadas, um movimento mundial que apenas grandes, mas realmente grandes artistas
recebem. Para todos que conheceram a banda – o fã do primeiro álbum, do
segundo, até o desavisado que gostava apenas de Linger – foi como perder uma
conhecida. Porque Dolores transpirava humanidade e sinceridade, como bem disse
Noel. É impossÃvel imaginar, em qualquer apresentação, que ela está fingindo. Ela
é uma voz que não finge, que está ali. Sua partida foi como perder alguém próximo,
de quem nos aproximamos durante os poucos minutos de uma música, mas que conseguiu
nos tocar profundamente.
Com a
resposta dos fãs de todos os paÃses do mundo, com a resposta dos artistas do
mundo inteiro, a morte de Dolores começa a parecer como algo que, embora
surpreendente e terrÃvel, sela o desejo da cantora: estar cravada na história
da música. É o que toda a crÃtica está dizendo: bem, chega de ignorá-los. Chega
de temer dizer que Zombie é incrÃvel, porque este é o momento em que todos
devem se render e prestar a homenagem honrosa que Dolores e os Cranberries
mereciam ter recebido em vida. A homenagem que todos acreditavam que eles
receberiam quando lançassem um grande álbum novamente. Não acontecerá. E isso nos
obriga a revê-los através de sua discografia: puta que o pariu. Que
discografia. Cranberries foi uma das melhores, uma das mais belas bandas
surgidas a ganhar o rádio. Não é uma questão de serem virtuosos como um Led Zepellin,
ou populares como o U2. O Cranberries está sendo imortalizado por ser original
e não uma cópia de qualquer outro som.
Então,
eu que não escrevia há tempos sobre eles, decidi render-me também. Estava em
silêncio desde a morte de Dolores porque todo mundo falava demais: jornais,
sites, facebook, todo mundo parecia conhecer ou querer conhecer a Dolores. E eu
que sentia humildemente que a conhecia um pouco mais, fiquei em silêncio como
quando morre um parente. Não queria saber a causa da morte, os detalhes. Eu
havia perdido uma irmãzinha doida, que cantava como uma flauta, que era
divertida, engraçada, tÃmida, carinhosa, que se mostrava atenciosa longe das
câmeras. Bem longe de qualquer oportunidade de ganhar público ou mÃdia.
Exatamente como no palco. Que tinha problemas, que procurava se reinventar, que
não se vendia jamais. Que era impulsiva, que ria de si mesma. Que foi uma
garota mandona e uma mulher pensativa, de olhar distante nos shows, após a
perda do pai, depois com o fim do casamento, depois tentando de reerguer de
tantos traumas.
Eu, que insistia em colocar Linger pra
tocar toda vez em que me apaixonava e dava o primeiro beijo – porque era para
isso que Linger servia.
Eu, que me reencontrava mais forte
ouvindo Animal Instinct, porque era pra isso que ela servia.
Eu, que demorei muito para entender a
alegria besta e quase ingênua de cantar e dançar Analyse como se só houvesse o momento
presente.
Eu, que esperava sempre o regresso da
Dolores como uma fênix. Assim como todos que buscam se encontrar.
Obrigado por sua música.
Obrigado por estar presente, de
verdade, e nunca atuando. Que quando estava cansada, mostrava-se cansada – no
palco, nas entrevistas. Tenho a certeza de que os shows cancelados, para
chegarem a esse ponto, devem ter doÃdo mais em você do que em nós, fãs, que
ficávamos “nervosos” com seus sumiços.
Voa,
borboleta. Você agora é imortal.
... SEM PALAVRAS!! Texto sensÃvel e verdadeiro como um crisântemo e uma espada. Parabéns por expressar as palavras de milhões de pessoas no mundo todo.
ResponderExcluirPoxa! Emoção pura...
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